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Formador em Yoga - Entrevista com Faeq Biria Prof. Senior de Iyengar Yoga

Confira a entrevista com Faeq Biria, o professor sênior do método
Por Renata Reif

O professor sênior de Iyengar Yoga Faeq Biria viaja pelo mundo acompanhando de perto a formação de professores de Yoga dessa modalidade, a pedido de seu próprio mestre, B. K. S. Iyengar. Em uma conversa aberta
sobre dinheiro, iluminação e didática, o iraniano radicado na França mostra sua posição diante da profissionalização em Yoga. Para ele, alunos e professores devem lembrar, antes de mais nada, que são praticantes de Yoga.

Como o senhor vê a facilidade em se tornar professor de Yoga?
Faeq Biria: Na tradição do Yoga não há um curso de formação, isso nunca existiu. Hoje, antes mesmo de começar o curso, o aluno já quer ensinar. É um fenômeno moderno. Antes não se aprendia Yoga em menos de 12 anos. Segundo Krishnamacharya, não basta ser aluno, é preciso haver uma profissão. B. K. S. Iyengar nunca deu um certificado a alguém que não tivesse concluído sua graduação, terminado seus estudos ou não tivesse outro meio de ganhar a vida. Pattabhi Jois era professor de sânscrito na universidade, Desikachar era engenheiro. O que acontece hoje infelizmente são a comercialização e a profissionalização em todo o mundo. Os professores começam a aprender, se apaixonam, ensinam uns aos outros e caem na história de ganhar a vida. A tradição visa profissionais da prática. Para mim, minha profissão não é ensinar o Yoga e sim a prática do Yoga. Ensinar Yoga é minha vocação. Jamais permitiria que o ensino, a formação atropelasse a minha prática.

Qual é a evolução dos alunos brasileiros?
FB: Você me coloca numa situação embaraçosa, são eles que vão ler esta entrevista. Mas os exames terminaram e eu me sinto maravilhado pelo potencial incrível. Em geral, cada país tem um espírito diferente, seja pragmatismo, senso de estética, flegma. Em termos físicos e espirituais. O papel do professor, que é importante, é que irá despertar os alunos. Trabalho corporal? Espiritualidade? Esse é o trabalho do formador. Há dois anos existe a Associação do Iyengar — as pessoas que trabalham lá têm outra profissão e querem promover o Yoga. Os resultados são encorajadores.

Como o senhor vê a relação discípulo e guru hoje em dia?
FB: Somos obrigados a criar estrutura para que o praticante de hoje e do futuro possa trabalhar. Já que não se tem condição de estudar durante 12 anos — essa tradição tem desaparecido mesmo na Índia —, são necessários outros meios para encontrar o mestre. Os marajás não existem mais, em geral eram eles que os sustentavam. Se eu tenho um aluno muito dedicado, farei de tudo para que o problema econômico não seja um obstáculo em sua evolução. Também não é possível aceitar todos os alunos e, na relação de troca, é o aluno que se ocupa do professor financeiramente e não o contrário. Cria-se certa problemática em torno do dinheiro.

Como se deve abordá-lo?
FB: Vim de uma família que não recebia nada pelo ensino espiritual. Formei-me em Ciência, fui professor na faculdade. Passaram-se alguns eventos, quando me vi dando aulas para amigos. Eles falaram para outros amigos e meus cursos tomaram uma grande dimensão. As pessoas da minha família ficaram amuadas quando souberam que eu ganhava dinheiro para ensinar. Eu mesmo fiquei, na minha cabeça era proibido. Sempre tive uma relação bem particular com o dinheiro dos cursos, pedia que outras pessoas o fizessem para mim. Fui traído, era jovem. Foi quando meu mestre veio a Paris, decidimos dar aulas na Gallerie Lafayette para crianças. Gastei o dinheiro com alguma coisa e coloquei-o no bolso de forma bruta. Ele me olhou e eu expliquei que ficava aborrecido em receber dinheiro dos alunos, que não podia aceitar. Ele não disse nada. Quando chegamos em casa, ele falou: “Esse dinheiro que os alunos lhe dão não é sujo, tudo depende de sua utilização. É preciso considerar esse dinheiro como uma bolsa de estudos. Os alunos lhe dão uma bolsa de estudos para que você pratique confortavelmente, para se tornar um melhor professor e entender melhor sua evolução e seus problemas”. “Esse dinheiro não é sujo” — isso foi uma lição, aconteceu em abril de 1983. Mesmo quando gasto 50 centavos, penso nos alunos que me deram esse dinheiro. Eles estão contentes de saber que gasto com isso.

Que conselho o senhor daria a alguém que quer fazer formação?
FB: O conselho é sempre o mesmo: observar se são praticantes de Yoga. É preciso haver algo para trocar com os outros. O Yoga não é um gênero de compra e venda. A maior parte o considera assim. Viajam, fazem estágios, dão cursos, pagam e recebem certo ensinamento que os enriquece, para revendê-los em seguida aos seus alunos. Não é assim com os ensinamentos do Yoga. É como a vaca que escolhe a melhor erva, come-a, digere-a, transforma-a em leite e oferece aos outros. O ensino deve atravessar o espírito do professor. Ou da abelha, que pega o melhor da flor, o néctar, o digere, guarda e produz o mel para oferecer aos outros. Se o ensino for assim, é magnífico. Mas se for como ir ao mercado, comprar uma grande quantidade de legumes e revender no bairro um pouco mais caro, isso não é Yoga e sim comércio. A segunda coisa é não dar aula de Yoga pelo prazer do aluno e de si, e sim pelo espírito do Yoga, de servir e ajudar o aluno. Talvez se inicie a prática aos 50 anos. Somos amadurecidos, filósofos, professores, mas no Yoga somos crianças. No começo temos atitude de criança, de fazer rápido, querer obter rápido. O professor enxerga a criança, sua vocação e a ajuda com a dor para se tornar alguém do bem. O mesmo acontece no Yoga, o aluno não sabe bem o que fazer.

E então?
FB: O professor dirige o aluno. Antes era fácil, bastava dizer o que fazer. Isso desapareceu mesmo antes do meu contato com B. K. S. Iyengar. Em nossos tempos, o Yoga ajuda a humanidade que sofre. Meu mestre diz que não é mais preciso testar o aluno para ver se é sério. Eu lhe perguntei se deveria colocar barreiras aos alunos que não eram sérios. Ele disse: “Não, o ocidental trabalha oito horas numa sala fechada com ar-condicionado, pega metrô, ônibus, trânsito e ainda consegue se organizar para fazer aula à noite. Ele já atravessou um grande teste!” Uma vez que ele experimenta o néctar do Yoga, a nossa ajuda é de lutar para encorajá-lo e não afastá-lo.

Como deve ser a relação do aluno com o professor?
FB: Uma grande parte da tradição do Yoga é oral. Uma das grandes belezas do Yoga não está escrita. Vive-se com o mestre para aprender. Há três categorias de pessoas que buscam o Yoga: os que têm problemas de saúde, psicológicos, mentais e buscam no Yoga sua solução; os que estão em plena forma, querem aumentar a energia e fazem Yoga para se preservar e os que estão em busca de realização espiritual. A tradição afirma que os três alunos têm certo objetivo, mas não sabem em qual categoria estão. É função do professor conduzi-los à categoria que pertencem. Talvez alguém venha em busca espiritual, mas o professor vê problemas físicos para serem resolvidos antes que ele siga rumo à luz divina. Outros que passam pela porta dizendo que querem a grande energia do Yoga, mas o professor percebe que antes é preciso uma pequena intervenção no interior do ser. Só o professor pode detectar isso e conduzir o aluno no caminho da evolução. Há os que querem meditar. Ok, eu ensino técnicas de meditação, mas não agora. Neste momento, precisam fazer posturas para endireitar as costas, alongar a coluna, liberar o sistema respiratório, esvaziar o intestino, abrir o corpo.

Há saída para a dissonância entre o mundo e a prática do Yoga?
FB: Sim, por isso há tanta demanda pelo Yoga. Há lugares com pobreza, vida simples e contentamento. Confunde-se muito a miséria com pobreza. Tem gente pobre que não é miserável, enquanto há pessoas que são ricas e miseráveis. Uma pessoa com vida simples, pobre mas feliz, já tem a filosofia do Yoga correndo em suas veias. Em São Paulo, como em qualquer outra cidade grande, o Yoga é um propósito, uma solução. Para essa gente cheia de tensão, é impossível dizer: sente-se aí que eu lhe levarei imediatamente à dimensão espiritual do Yoga. Como você bem utilizou o termo, há uma dissonância. Iyengar propõe uma solução: o ocidental não tem tempo a perder. A cada dia há um celular com melhor performance. Este corresponde ao espírito do homem ocidental, do desenvolvimento tecnológico. É assim que devemos ajudá-los, senão eles não investirão. É preciso fornecer duas ferramentas poderosas: asanas e pranayamas. Propor uma base com posturas e respiratórios, com evolução, precisão e rigor. Isso os fará progredir. O resto, encontrar a dimensão, só cabe a eles fazer. O terreno está favorável e cultivado, aberto.

Como aplicar a máxima “não tente, faça”?
FB: Esta se baseia em um grande princípio do Yoga que não é compreendido. Precisamos dar o primeiro passo, começar. Tem gente que busca a melhor escola, o melhor professor, mas nunca os encontraremos. Todos são melhores. Sua abordagem é o que importa. É o espírito de fazer, de engajamento. Uma mulher que engravida não tenta engravidar. Esse espírito está perdido na humanidade. Faça pouco, mas com energia, entusiasmo, engajamento. Não é o aluno que busca o Yoga, mas o Yoga começa a fazer parte de sua vida.

E quanto ao conceito de iluminação?
FB: Quanto mais procuramos a iluminação, mais ela se distancia. A iluminação não é uma explosão de um momento, é um processo evolutivo e gradual. O Yoga não é rápido, infelizmente. É possível progredir com perseverança, mas sem pressa. É progressivo, aos poucos se experimenta a sensação de plenitude. Há momentos em que nos sentimos plenos, no começo é um momento ou outro. Dando continuidade à prática, vivemos o prazer da plenitude durante o dia todo — ela preenche a vida do praticante, ele passa a viver 24 horas nesse estado. Essa é a pessoa realizada, iluminada.

Tem uma última mensagem?
FB: A de sempre. Pratique Yoga com consciência, disciplina, coragem, amor, alegria. Pratique, pratique e tudo virá.

Acesse o site: http://yogajournal.terra.com.br/

 

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